Entrevista exclusiva dos Urbanature: “Queremos criar atmosferas enebriantes e inesperadas. É o nosso ADN”

The Apollo 11 Hasselblad | Fotografia: Project Apollo Archive/Creative Commons

Os Urbanature anunciaram recentemente que estão a compor temas para o segundo disco da banda. O sucessor de “Evergr33n” verá a luz do dia entre 2017 e 2018.

A banda do Porto foi pioneira na utilização de novas tecnologias na música ao vivo e no processo de composição, incluindo computadores e sintetização MIDI, e foi uma das primeiras a registar um domínio na internet, nos anos 90.

Numa entrevista exclusiva a urbanature.pt – a primeira em quase 20 anos – o quarteto revela alguns dos segredos da longevidade do projecto e a razão pela qual decidiram esperar quase duas décadas para regressar à edição discográfica.

Passaram 18 anos desde que lançaram “Evergr33n.” Porque é que decidiram lançar um álbum nesta altura?

Nuno Camacho (Baixo): Conjugaram-se dois factores. Por um lado, há cerca de três anos chegamos a uma fase das nossas vidas em que nos apeteceu voltar a tocar juntos. Começámos por brincadeira, e descobrimos que tocar nos Urbanature é como andar de bicicleta. Após alguns ensaios mais enferrujados, começamos a alinhar bem uns com os outros e as coisas começaram a sair. De repente, notámos que estávamos a compor músicas novas e começamos a criar a ideia deste novo álbum. Ou seja, a ideia inicial surgiu de forma natural, orgânica e de uma motivação intrínseca por fazer música. Por outro lado, o panorama atual da música indie em Portugal, parecia-nos, há três anos, algo parado e com menor dinamismo do que tinha quando lançamos o “Evergr33n.” Pensamos que haveria espaço para uma versão renovada do som dos Urbanature. Estes dois fatores conjugaram-se para nos convencermos que tinha chegado a altura de arregaçar as mangas e compor um novo trabalho.

Luís Madureira (Sintetizadores, Guitarra): Há um tempo para tudo. Na altura em que lançámos o “Evergr33n,” a música que imaginávamos fazia sentido – tinha urgência e inovação. A partir de 2000, em todo o mundo, a electrónica impôs-se à guitarras. Agora o desafio é outro – combinar, de forma inteligente, o orgânico e o digital. Além disso, queríamos muito continuar a história dos Urbanature e sentimos que agora, mais do que nunca, temos uma obrigação.

João Marques (Guitarra): Para além da vontade de fazermos música juntos, este álbum surge porque percebemos que há um espaço na música alternativa que precisa de ser preenchido. Começámos a sentir que havia um vazio de escolhas musicais, principalmente em moldes menos convencionais. Há 20 anos, havia um conjunto considerável de bandas, onde nos incluiamos, a tentar fazer coisas diferentes, que tinham alguma visibilidade. Hoje, se existem, são quase invisíveis.

Francisco Cardoso (Bateria): Só agora é que consideramos termos atingido o ponto de maturidade para lançar um novo álbum, até porque estivemos focados nas nossas famílias e carreiras profissionais. O primeiro álbum foi lançado fora do tempo. Hoje as pessoas estão mais preparadas para absorver música electrónica.

Pólo Sul | Fotografia: Nasa/Creative Commons

Quais são as vantagens de haver um intervalo tão grande entre os dois discos?

JM: A maior vantagem é talvez não vivermos na cadência e nas rotinas convencionais e repetitivas de estúdio-edição-concertos. Tirando raras exceções, é uma trajetória descendente. A música que fazemos tem que fazer sentido para nós, e nunca nos ocorreu editar um disco só porque é a sequência natural das coisas. Esta sequência é tudo menos natural; normalmente até é uma imposição externa.

LM: Há quem considere o silêncio algo incómodo e negativo. Eu não penso assim. Este silêncio de 18 anos fez sentido e permitiu-nos imaginar o universo que agora apresentamos ao grande público. Ainda assim, nunca parámos de compor desde 2000.

NC: Por um lado, a nossa maturidade. Ouvimos muitas coisas, e cada um de nós, ao seu estilo, explorou muita música. Temos hoje uma noção muito mais precisa do que gostamos de fazer e do tipo de sonoridades que queremos criar. Por outro lado, um intervalo tão grande significa que podemos concentrarmo-nos, sem qualquer pressão, em cada detalhe de cada tema deste novo disco. Apesar do tempo que passou, vejo este disco como um corolário natural do “Evergr33n.” Corolário esse que foi pensado ao detalhe e cujas ideias foram amadurecendo ao longo dos últimos 17 anos.

FC: Não encontro grandes vantagens nem desvantagens. Já que fomos capazes de inovar há 20 anos. Será particularmente interessante ver o que iremos conseguir produzir com a tecnologia que há hoje.

Do ponto de vista de sonoridade, o que pretendem que o segundo álbum dos Urbanature seja?

FC: Pretendemos sempre que seja aquilo que sonhamos. Certamente que não é o mesmo que sonhávamos na altura. Hoje, acho que vai ser aquilo que nós queremos, principalmente porque vai ser possível trabalharmos o digital de uma forma que não era possível na altura em que lançámos o “Evergr33n.” Estou convicto de que vai ser um trabalho muito mais interessante, principalmente porque vamos lançar este trabalho por nossa conta e risco. Ou seja, não há pressões de ninguém. Fazemos o que nos vai na alma. Se tivermos que lançar o álbum mais tarde, lançamos. Não temos limitações.

NC: Tal como em 1999, pretendemos que seja um disco que crie atmosferas e sonoridades inesperadas e enebriantes. Que seja um som que não seja fácil de classificar, mas ainda assim agradável de ouvir. Pretendemos que seja um álbum divergente do panorama atual da música portuguesa, mas, ao mesmo tempo, capaz de contribuir para o enriquecimento desse mesmo panorama. Consegue-se estes objetivos com a utilização de sonoridades e efeitos únicos a cada tema, harmonias pouco convencionais e ritmos inesperados. Tentamos conjugar estes ingredientes numa simbiose sonora que, esperamos, seja inspiradora.

LM: Desde que nascemos, sempre fomos muito diferentes de todas as bandas em Portugal. Fomos dos primeiros a trazer os computadores e o MIDI para os palcos, a fazer música instrumental para actuações ao vivo, a comunicar através da web, e a inovar na mistura de estilos musicais distintos numa só canção. Continuaremos a honrar o ADN. O novo disco vai permitir às pessoas sonhar. A sonoridade geral do novo disco é muito espacial, árida, e desértica. Por isso, é muito introspectiva e individual.

JM: Diferente. Do que fizemos antes e do que é feito por outros. Obviamente que temos influências, e muitas, de vários estilos. Algumas até se podem notar pontualmente, mas o resultado será sempre único.

Distorted Vision | Ilustração: Distorted Vision

Como avaliam o actual panorama musical em Portugal?

LM: Estou desiludido com muito do que ouço. Há uns anos criticavam as bandas que cantavam em Inglês; agora, as letras em Português falam de temas tão banais, triviais e irrelevantes que as acho deprimentes. Chamo-lhe ultra-realismo – os letristas escrevem acerca de coisas tão banais como tomar um café na esplanada, ou deixar cair um copo de cerveja. Não me identifico com nada disso. Por outro lado, parece que anda tudo a fazer dream pop com sintetizadores retro. Os Urbanature nunca olharam o passado. Sonhamos e compomos música de e para o futuro. Quem nos ouve pode contar com isso.

JM: Não gosto mais de música feita em Portugal só porque é feita cá, mas têm aparecido algumas coisas interessantes. O problema é que aumentou mais em quantidade do que em qualidade. Comparando com o panorama há 20 anos atrás, há claramente mais quantidade de produções razoáveis, com algum interesse, mas depois faltam bandas que passem dessa fasquia, e que arrisquem ir mais longe. Basicamente faltam bandas fora de série. Há uma espécie homogeneização de estilos musicais, com muitas bandas e artistas a fazer essencialmente a mesma coisa. Mas o que me surpreende mais é que a compartimentação de estilos parece ter-se aprofundado, ao contrário do que seria de prever há 15 ou 20 anos atrás. A forma de fazer música não mudou, apesar de ter mudado quase tudo o resto. No final dos anos 90 houve várias bandas como a nossa que, modéstia à parte, não se contentavam a repetir fórmulas, e que de certa forma foram precursoras. É estranho que não tenha sido dada sequência.

NC: Julgo que há uma riqueza grande ao nível da música de cariz mais tradicional, como o folclore, o fado e a canção portuguesa. Grandes músicos e muita sofisticação nessa área. Na área do rock e pop mais mainstream também temos tido grandes álbuns. Na área mais indie, porém, temos sentido falta de mais dinamismo; ainda que algumas bandas sejam excelentes, são muito poucas.

FC: O panorama é idêntico ao que era na altura, apenas alguns estilos musicais tomaram as posições de outros, o mesmo acontece com a forma como se ouve música. Se usavas um walkman, hoje usas um telemóvel. O princípio é o mesmo.

Os Urbanature são uma banda instrumental de música electrónica independente. Esta é uma descrição correcta da banda?

NC: Sim, uma descrição correcta mas muito funcional. Preferia uma descrição mais emocional: os Urbanature são uma banda que cria atmosferas inesperadas e que nos permite a explorar novas sensações sonoras.

LM: Revejo-me totalmente nessa descrição. A nossa sonoridade é profundamente electrónica, embora o caminho seja feito com instrumentos orgânicos.

FC: Somos uma banda que optou por não ter voz, o que não invalida que não se aposte em participações no disco e ao vivo.

JM: Sempre tive dificuldade em posicionar a banda em termos de géneros musicais e quanto a mim, se deixar de ter essa dificuldade, é porque estamos a fazer alguma coisa mal. Os Urbanature são uma banda independente, e essencialmente instrumental, concordo com essa parte. A electrónica é uma ferramenta que usamos muito, mas acho que não nos define.

Marte | Fotografia: Nasa/Creative Commons

O som dos Urbanature parece saído duma banda sonora de um filme, em virtude da diversidade melódica e rítmica dos diversos temas que compõem. Esta sensação é forçada ou é inata à banda?

JM: É inata e assumida. Não tentamos forçar nada, porque isso reflete-se negativamente na música, mas também não nos inibimos só porque soa a banda sonora. Acho que temos um equilíbrio saudável entre a espontaneidade e a intenção. Há sempre um objetivo, uma atmosfera, uma ambiência que queremos imprimir, mas não somos obstinados. Se surgir uma ideia diferente, tentamos explorá-la. Não confundimos a nossa identidade musical com colagens artificiais a géneros musicais.

LM: É totalmente inata. É muito frequente chegarmos ao fim do processo de composição e apercebermo-nos de que o que acabámos de fazer é uma música que poderia fazer parte de um filme do David Lynch. O nosso cunho instrumental obriga-nos a imaginar as canções de uma forma completamente diferente daqueles que compõem para uma voz. Acho que isso nos obriga positivamente a melhorar a melodias e faz-nos melhores instrumentistas.

NC: Eu diria que é inata à banda. Sempre tivémos uma tendência para tocar todos juntos quase como que se estivéssemos a desenhar diálogos entre os instrumentos, a escrever uma história sonora. É por isso que, muitas vezes, compomos músicas que parecem saídas de uma banda sonora.

FC: Essa questão define exactamente o nosso ADN. Nós funcionamos muito bem em grupo – gostamos de tocar juntos. As músicas surgem por si porque são a tradução da forma como vivemos.

O que esperar de um concerto dos Urbanature no século XXI? De que forma tencionam apresentar-se ao vivo?

LM: Sempre fomos e continuaremos a ser uma banda muito criteriosa no que toca a actuações ao vivo. Uma espécie de banda-boutique, com uma noção muito clara do público e do local que faz sentido para nós. Nos últimos 20 anos, demos cerca de 20 concertos. Vamos continuar assim – exclusivos e com actuações relativamente curtas em termos de duração do espectáculo.

JM: Provavelmente não daremos concertos em que o objetivo seja reproduzir um punhado de músicas com mais ou menos fidelidade ao disco, arrumar o material, e repetir noutro dia. Não nos encaixamos nessa rotina, por isso também não contamos dar muitos concertos. Cada concerto será pensado, planeado e trabalhado de forma diferente, tendo em conta o contexto do momento.

FC: A forma como nos apresentaremos ao vivo tem uma ligação directa com a questão anterior. O facto de o nosso som ter alguma semelhança com algumas bandas sonoras constituirá uma surpresa, porque é um formato que sai da caixa e irá transportar as pessoas para um estado diferente daquilo a que estão habituadas. Certamente iremos surpreender ainda mais com o novo disco.

NC: Os concertos serão intimistas, algo raros e, já como fazíamos em 1999, voltados não tanto para a replicação, em palco, dos temas gravados em estúdio mas, antes, um espaço e momento em que a banda se junta, utiliza cada tema como a base, mas explora novas sonoridades e expande os temas em real-time para se adaptar ao público e à atmosfera de cada concerto.

 

Fotografia: Nasa/Creative Commons

Arte Visual Digital: Distorted Vision